in Revista Única do Expresso de 31/12/2009
Nesta crónica ferozmente crítica, Inês Pedrosa debruça-se sobre a evolução do estado da Cultura em Portugal, nesta última década. Depois de uma leitura atenta e interessada, uma vez que este tema, pessoalmente, é dos que me desperta maior curiosidade, é de sublinhar algumas ideias essenciais (“chave”) transmitidas pela autora: em primeiro lugar, que a Cultura actualmente é algo «pontual», que se expressa de tempos a tempos, e que é pertença de alguns, artistas e criadores, que a ela se entregam por gosto é certo, mas que «educados na cultura do individualismo absoluto e da competição feroz», reclamam a atenção para as suas produções, «de telemóvel em punho», anunciando à imprensa os seus quase…sucessos! Assim, a Cultura deixou de pertencer e de definir um povo, para se restringir a um conjunto de indivíduos, cada vez mais seduzidos pelo mundo empresarial e pelo lucro.
O Estado olvidou, marginalizou, negligenciou, arrumou a Cultura dentro de uma gaveta e não mais se lembrou dela, porque em cima da secretária se encontra o mais recente modelo do computador portátil. «Humanidades»? Essa palavra já deve estar quase ilegível no Dicionário. Novas tecnologias, apostar nas novas tecnologias… «concentraram-se todos os meios nas novas tecnologias», argumentando que é esse o futuro da Educação, cada aluno ter um computador na sua secretária, e mal saber soletrar a palavra c-o-m-p-u-t-a-d-o-r (é com “o” ou com “u” no início? Aliás, atentado após atentado à Língua Portuguesa no celebérrimo “Magalhães”, que seria o salvador da Educação Nacional). «Concentram-se todos os meios nas novas tecnologias (…) Mas Educação sem cultura, como é? Computadores e redes sem pensamento, para que servem?»
De acordo com a autora, e que é uma posição que partilho, a generalidade da população (e os próprios governantes) aparentemente pensa que ao Estado compete, dentro da Cultura, um papel de mera preservação dos “calhaus”. Os artistas, então, não precisam de qualquer tipo de ajuda, a inspiração é tal que a Arte sai tal e qual assim, sem meios nem recursos, da imaginação directamente para o papel ou tela, sem custos adicionais. Os princípios de «lucro rápido» e «escrever, pintar, esculpir, criar…sob as fórmulas gastas que a maioria do público gosta» são a morte do artista; uma vez que estagnam a Cultura no tempo, sem expressão de inovação, criatividade, da própria individualidade do artista…
E, horror dos horrores, símbolos nacionais reconhecidos internacionalmente são negligenciados ou subaproveitados, desde figuras a património arquitectónico. Que se preservem as tradicionais ruas estreitas Lisboetas, com os seus estendais, vasinhos nas varandas e laços estreitos de vizinhança é incontestável, mas é preciso “preservar” os graffitis, as paredes descoloridas com o estuque a cair e corroídas pela humidade, os passeios agradáveis pelas ruas transformados em corridas de obstáculos sob a égide da máxima «Vê onde pões os pés, para não pisares os “presentinhos”…» Dito assim a um turista, o que é que ele não há-de pensar… Que se preservem os salutares e tradicionais hábitos Portugueses, mas cuspir para o chão é sem dúvida, dos mais repulsivos e substituíveis, sem que daí venha a perda da identidade nacional. Desembarcam no Cais do Sodré ou aterram na Portela turistas à procura de Fernando Pessoa e deparam-se com alguns sinais escondidos. Porém, na minha opinião, devo acrescentar, a propósito, que acho lamentável que de artistas Portugueses, nomeadamente escritores, os estrangeiros tenham conhecimento de pouco mais que Fernando Pessoa ou José Saramago. Então e um Eça, com as suas descrições de refeições pouco recomendáveis a leitores de estômago vazio? E um Aquilino Ribeiro? E um Fernando Namora? E um Miguel Torga? E uma Agustina Bessa-Luís? E uma Florbela Espanca? E filósofos, sociólogos, psicólogos, críticos…? Pessoa e Saramago são símbolos, mas custa-me ver a sua aparente “exclusividade no estrelato”, quando com outros tipos de escrita, outros autores mereceriam também o seu reconhecimento além-fronteiras. Porém, compreendo e é indiscutível o marco que Fernando Pessoa se revelou na Literatura Portuguesa. E creio que o facto de uma parte da sua obra se encontrar escrita em Inglês (no original), facilitou também a introdução nos meios internacionais. E depois, há a questão clara da originalidade e da inovação da heteronímia que nunca alcançou este nível em qualquer outro canto do planeta. Muitos foram os escritores e poetas dedicados às questões sociais, mas demasiado presos à sua própria individualidade, e sempre através de uma mesma fórmula de escrita… Se algum alguma vez sentiu a multiplicidade fervilhar dentro de si como Pessoa, nenhum soube processar por palavras esse turbilhão, num estudo analítico de faceta lírica incrível da condição humana que poucos souberam atingir. Daí que ainda hoje, Pessoa seja um marco. Uma referência. Uma inspiração. Um modelo.
Inês Pedrosa conclui afirmando que Portugal nunca mereceu os criadores que teve e continua a não merecer os criadores que tem. A própria Mariza, a famosíssima jovem cantora de fado, afirma que construiu a sua carreira com os seus próprios meios, sem qualquer tipo de ajuda, patrocínio, apoio…quantos artistas não haverão perdidos aí, precisando apenas de um primeiro impulso inicial, de uma rampa de lançamento? É triste que predomine uma ideia retrógrada da Arte e da Cultura como léxicos desenquadrados do mundo actual moderno e progressista. Gostava de ver esse progresso. Olhá-lo nos olhos e tocar-lhe com a ponta do dedo e vê-lo desfazer-se. Falso, oco, pretensioso, uma desculpa, uma máscara, ocultando os problemas graves estruturantes do nosso país.
Ainda não chegou a hora. Atrasam-se as horas, os minutos, o ponteiro dos segundos pára porque não são ocasionais festivais e exposições que edificam uma Cultura.
Margarida Hourmat, 12º C
Nesta crónica ferozmente crítica, Inês Pedrosa debruça-se sobre a evolução do estado da Cultura em Portugal, nesta última década. Depois de uma leitura atenta e interessada, uma vez que este tema, pessoalmente, é dos que me desperta maior curiosidade, é de sublinhar algumas ideias essenciais (“chave”) transmitidas pela autora: em primeiro lugar, que a Cultura actualmente é algo «pontual», que se expressa de tempos a tempos, e que é pertença de alguns, artistas e criadores, que a ela se entregam por gosto é certo, mas que «educados na cultura do individualismo absoluto e da competição feroz», reclamam a atenção para as suas produções, «de telemóvel em punho», anunciando à imprensa os seus quase…sucessos! Assim, a Cultura deixou de pertencer e de definir um povo, para se restringir a um conjunto de indivíduos, cada vez mais seduzidos pelo mundo empresarial e pelo lucro.
O Estado olvidou, marginalizou, negligenciou, arrumou a Cultura dentro de uma gaveta e não mais se lembrou dela, porque em cima da secretária se encontra o mais recente modelo do computador portátil. «Humanidades»? Essa palavra já deve estar quase ilegível no Dicionário. Novas tecnologias, apostar nas novas tecnologias… «concentraram-se todos os meios nas novas tecnologias», argumentando que é esse o futuro da Educação, cada aluno ter um computador na sua secretária, e mal saber soletrar a palavra c-o-m-p-u-t-a-d-o-r (é com “o” ou com “u” no início? Aliás, atentado após atentado à Língua Portuguesa no celebérrimo “Magalhães”, que seria o salvador da Educação Nacional). «Concentram-se todos os meios nas novas tecnologias (…) Mas Educação sem cultura, como é? Computadores e redes sem pensamento, para que servem?»
De acordo com a autora, e que é uma posição que partilho, a generalidade da população (e os próprios governantes) aparentemente pensa que ao Estado compete, dentro da Cultura, um papel de mera preservação dos “calhaus”. Os artistas, então, não precisam de qualquer tipo de ajuda, a inspiração é tal que a Arte sai tal e qual assim, sem meios nem recursos, da imaginação directamente para o papel ou tela, sem custos adicionais. Os princípios de «lucro rápido» e «escrever, pintar, esculpir, criar…sob as fórmulas gastas que a maioria do público gosta» são a morte do artista; uma vez que estagnam a Cultura no tempo, sem expressão de inovação, criatividade, da própria individualidade do artista…
E, horror dos horrores, símbolos nacionais reconhecidos internacionalmente são negligenciados ou subaproveitados, desde figuras a património arquitectónico. Que se preservem as tradicionais ruas estreitas Lisboetas, com os seus estendais, vasinhos nas varandas e laços estreitos de vizinhança é incontestável, mas é preciso “preservar” os graffitis, as paredes descoloridas com o estuque a cair e corroídas pela humidade, os passeios agradáveis pelas ruas transformados em corridas de obstáculos sob a égide da máxima «Vê onde pões os pés, para não pisares os “presentinhos”…» Dito assim a um turista, o que é que ele não há-de pensar… Que se preservem os salutares e tradicionais hábitos Portugueses, mas cuspir para o chão é sem dúvida, dos mais repulsivos e substituíveis, sem que daí venha a perda da identidade nacional. Desembarcam no Cais do Sodré ou aterram na Portela turistas à procura de Fernando Pessoa e deparam-se com alguns sinais escondidos. Porém, na minha opinião, devo acrescentar, a propósito, que acho lamentável que de artistas Portugueses, nomeadamente escritores, os estrangeiros tenham conhecimento de pouco mais que Fernando Pessoa ou José Saramago. Então e um Eça, com as suas descrições de refeições pouco recomendáveis a leitores de estômago vazio? E um Aquilino Ribeiro? E um Fernando Namora? E um Miguel Torga? E uma Agustina Bessa-Luís? E uma Florbela Espanca? E filósofos, sociólogos, psicólogos, críticos…? Pessoa e Saramago são símbolos, mas custa-me ver a sua aparente “exclusividade no estrelato”, quando com outros tipos de escrita, outros autores mereceriam também o seu reconhecimento além-fronteiras. Porém, compreendo e é indiscutível o marco que Fernando Pessoa se revelou na Literatura Portuguesa. E creio que o facto de uma parte da sua obra se encontrar escrita em Inglês (no original), facilitou também a introdução nos meios internacionais. E depois, há a questão clara da originalidade e da inovação da heteronímia que nunca alcançou este nível em qualquer outro canto do planeta. Muitos foram os escritores e poetas dedicados às questões sociais, mas demasiado presos à sua própria individualidade, e sempre através de uma mesma fórmula de escrita… Se algum alguma vez sentiu a multiplicidade fervilhar dentro de si como Pessoa, nenhum soube processar por palavras esse turbilhão, num estudo analítico de faceta lírica incrível da condição humana que poucos souberam atingir. Daí que ainda hoje, Pessoa seja um marco. Uma referência. Uma inspiração. Um modelo.
Inês Pedrosa conclui afirmando que Portugal nunca mereceu os criadores que teve e continua a não merecer os criadores que tem. A própria Mariza, a famosíssima jovem cantora de fado, afirma que construiu a sua carreira com os seus próprios meios, sem qualquer tipo de ajuda, patrocínio, apoio…quantos artistas não haverão perdidos aí, precisando apenas de um primeiro impulso inicial, de uma rampa de lançamento? É triste que predomine uma ideia retrógrada da Arte e da Cultura como léxicos desenquadrados do mundo actual moderno e progressista. Gostava de ver esse progresso. Olhá-lo nos olhos e tocar-lhe com a ponta do dedo e vê-lo desfazer-se. Falso, oco, pretensioso, uma desculpa, uma máscara, ocultando os problemas graves estruturantes do nosso país.
Ainda não chegou a hora. Atrasam-se as horas, os minutos, o ponteiro dos segundos pára porque não são ocasionais festivais e exposições que edificam uma Cultura.
Margarida Hourmat, 12º C
Sem comentários:
Enviar um comentário