O mês de Março de 1809 não se apresentou solarengo como o deste ano. Além disso, os Portugueses de então não tinham tempo para desfrutar dos prazeres da Primavera. Os Franceses estavam de regresso, para se desforrarem da derrota sofrida pelo aventureiro que era Junot e pelo seu exército. Napoleão não desistira de conquistar o pequeno país da ponta da Europa que o afrontava desde que decretara o Bloqueio Continental.
Desta vez os Franceses vieram da Galiza e eram chefiados por Nicolau Soult, a quem Napoleão chamou um dia “o melhor manobrador da Europa”. Depois de uma tentativa gorada para atravessar o rio Minho, Soult acabou por entrar em Portugal por Chaves, conquistou Braga e avançou direito ao Porto. Nesta cidade o bispo D. António de Castro tentou organizar a defesa. Contava com cerca de vinte mil homens dos quais poucos eram de facto soldados.
Os invasores chegaram a 27 de Março. Após um reconhecimento, enviaram parlamentários para intimar o bispo da cidade a render-se mas a turba enraivecida assassinou-os brutalmente. A partir daí falariam as armas e o mais forte ganharia.
No final do dia 28 de Março sentia-se a tensão nas ruas do Porto. Adivinhava-se o assalto francês a qualquer momento. Nessa noite, um violento temporal abateu-se sobre a cidade, como que anunciando uma outra tempestade, esta causada pelos homens. Os sinos tocaram a rebate, as igrejas encheram-se de fiéis mas o milagre não aconteceu. Às cinco da manhã a artilharia francesa abriu fogo e às seis a infantaria pôs-se em marcha. Não lhe foi difícil vencer a resistência inimiga. Um breve combate e os Portugueses dispersaram. O pânico espalhou-se por todo o lado e civis e militares precipitaram-se para a Ponte das Barcas que ligava a cidade a Vila Nova de Gaia.
Face à triste fama de que o Exército Francês usufruía por essa altura em Portugal – aliás merecida pelos massacres de Évora e da Guarda, entre outros –, a população, ao ouvir o tiro do canhão cada vez mais perto, só pensava em fugir. Milhares de homens, mulheres e crianças empurraram-se nos estreitos acessos da ponte impelidos pelo medo. Para sua desgraça, o brigadeiro Vaz Pereira dera já ordens para retirar as pranchas do pontão central para que os Franceses não pudessem atravessar o Douro. Ao verem a multidão que afluía à ponte, os militares interromperam a operação mas a largura do tabuleiro reduzira-se já bastante. Cúmulo da infelicidade; os canhões portugueses colocados na Serra do Pilar, na margem sul do rio, que deviam precisamente proteger a ponte, abriram fogo varrendo o tabuleiro selvaticamente. Podemos imaginar o pânico dos infelizes que se empurravam uns aos outros para chegarem a terra. Muitos caíram às águas geladas e morreram. Outros voltaram para trás, onde encontraram os Franceses.
Entretanto, no Porto, os combates continuaram por mais algumas horas, debaixo de chuva, com os Franceses a terem de silenciar pelas armas várias bolsas de resistência. No Paço do Bispo, duzentos membros da Companhia de Eclesiásticos do Porto bateram-se até ao fim. Os últimos foram passados a fio de espada pelos vencedores.
Ao fim da tarde Soult entrou na cidade e não quis - ou não pôde - evitar o saque. Roubos, espancamentos, violações, assassinatos, era disto que fugiam os infortunados da Ponte das Barcas. Muitos não tiveram a sorte de escapar. No dia 1 de Abril estava tudo terminado. Soult tinha agora mais com que se ocupar. Começou a cismar em tornar-se rei da Lusitânia Setentrional (prevista no Tratado de Fontainebleau). Essa atitude valeu-lhe a alcunha de rei Nicolau. É justo dizer que Soult precisava de assegurar as comunicações com a Galiza e arranjar abastecimentos antes de marchar para Lisboa.
Seja como for, Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington e comandante das forças anglo-lusas, é que não esteve pelos ajustes. Enquanto Soult planeava e voltava a planear, Wellesley trouxe o seu exército rapidamente para o Norte e apanhou os Franceses de surpresa. O Porto foi libertado no dia 12 de Maio. Não mais cairia em mãos francesas. Wellesley será doravante o Douro para muitos soldados portugueses. Quanto a Soult, retirou precipitadamente para a Galiza onde chegou sem cinco mil e setecentos dos vinte e quatro mil homens que constituíam o seu exército. Era o segundo general francês a perder a reputação às mãos de Wellesley. Outros se seguiriam. Em breve a Península Ibérica se tornaria um lugar maldito para Exército Francês. Como diziam os seus soldados, “Espanha, [e Portugal também] tesouro dos generais, ruína dos oficiais e túmulo dos soldados.”
Professor Orlando Lourenço
1 comentário:
Quero agradecer ao colega Orlando os textos que publica neste blogue e que nos ajudam a conhecer melhor outros tempos e a compreender o presente.
A disciplina de História, descobri-o já relativamente tarde, é um pilar essencial na nossa formação enquanto cidadãos!
E que bom que é ler (e ouvir) histórias contadas com gosto!
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