segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A Galinha de Massena

Massena, nesta pintura de 1856 da autoria de Adolphe Fontaine, sem olho direito nem galinha


A Galinha de Massena e a terceira invasão francesa



Durante a terceira invasão francesa (1810), o marechal André Massena, conhecido como o filho querido da Vitória, embora transformado numa sombra do passado, velho, curvado, com uma perna arruinada, cego da vista esquerda (Napoleão disparara sobre ele acidentalmente durante uma caçada, culpando o general Berthier que com cavalheirismo aceitou as culpas!), não deixou de trazer uma amante para melhor suportar as dificuldades da guerra. A senhora chamava-se Henriette Lebreton. Senhora, não menina, pois, ainda que muito jovem, a rapariga era casada e logo com um dos ajudantes-de-campo de Massena. Chefes que traziam esposas ou amantes para as campanhas militares, não era propriamente novidade. No entanto, este affaire especificamente, não foi bem visto pelos soldados. Isto porque o marechal fazia-se acompanhar para todo o lado pela sua preferida (que montava a cavalo vestida com um uniforme de cavalaria), e parecia a todos que a mulher prejudicava a clarividência do grande militar. As tropas referiam-se a Henriette como A Galinha de Massena.
Quando o exército parou em Viseu, aconteceu um episódio que iria prejudicar as relações entre Massena e os seus principais generais – Junot, A Tempestade, tal era o seu feitio, e Ney, o Bravo dos bravos, homem tão corajoso quanto orgulhoso. Massena, que não tinha bons fígados, desejava receber bem os seus tenentes em nome de uma melhor coesão do exército e por isso fez por criar um bom ambiente: mandou arranjar uma mesa no bonito limoal da casa onde se hospedava (a Casa do Arco), e preparou-se para fazer das tripas coração: aguentar uma conversa com Ney e Junot. Na verdade, até fez mais: mostrou-se amável, dando o braço ora a um, ora a outro, enquanto conversavam esperando a hora da refeição. Os ajudantes-de-campo ficaram espantados com aquele espectáculo. Tanto mais que o marechal costumava tomar as refeições apenas na companhia de Henriette. Nesse dia, porém, não só convidava os seus generais como ordenou que a mesa dos ajudantes-de-campo, a cem passos dali, fosse colocada ao lado da sua. O cúmulo da simpatia e das atenções! E tudo parecia correr bem.
Foi então que Massena teve uma ideia infeliz: pediu a presença de Henriette. Depois, com uma falta de tacto incrível – sem perceber sequer que a jovem, que acorreu ao seu chamamento com passinhos rápidos, estacara ao dar pela presença dos lugar-tenentes do amante –, virou-se para Ney e pediu-lhe que desse a mão à senhora e a conduzisse à mesa. O fogoso marechal, que não suportava aquilo que considerava a interferência de uma mulher nos assuntos militares, ficou ainda mais rubro do que já era, claramente desagradado com o que lhe era pedido. Visivelmente contrariado, ofereceu a ponta dos dedos a Henriette, conduzindo-a ao seu lugar. Para piorar as coisas, Massena estabeleceu que Ney se sentasse entre a senhora e o general Montbrun. A primeira à sua direita e o segundo à sua esquerda.
A refeição teve início. Henriette, perspicaz, como qualquer mulher, depressa percebeu que o seu conviva do lado esquerdo a ignorava ostensivamente, dirigindo a palavra apenas a Montbrun. O tempo foi passando e a jovem sentiu-se cada vez mais humilhada. Massena, esse, parecia não dar conta de nada. Pensava talvez que a sua operação de charme fora um sucesso. Como se enganava. Os nervos acabaram por dominar a pobre Henriette. Subitamente, desatou num pranto e antes que alguém pudesse intervir, desmaiou e caiu desamparada no chão (É preciso não esquecer que a melancolia e o dramatismo estavam na moda!).
Foi então que estalou o verniz. «Ao diabo com aqueles imbecis», deve ter pensado Massena! Enquanto a infeliz senhora era levada para os seus aposentos, encrespou-se com Ney e fê-lo com os piores modos. Este último não se ficou atrás e exprimiu bem alto as suas impressões acerca do que pensava daquela situação. Junot, curiosamente, manteve-se calmo. Nem sinais da Tempestade, o homem que anos mais tarde se atirou de uma janela num acesso de fúria.
Tudo isto se passava na presença dos ajudantes-de-campo. Uma vergonha. Ali, a quinhentas léguas de França, os homens a quem estavam confiados os destinos de mais de sessenta mil soldados, trocavam palavras violentas e de maneira a que todos pudessem ouvir. A noite, a certa altura tão promissora, acabava da pior maneira, quando um pouco de sensatez poderia ter evitado a discussão. Como o mal de uns é o bem de outros, quem ganhou foram os Portugueses e os seus aliados Ingleses…e tudo por causa da Galinha de Massena.



Texto do Professor Orlando Lourenço

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom, otimo texto.

Anónimo disse...

isto explica bastante bem a 3ª invasao obrigado stor!