terça-feira, 20 de março de 2012

Estórias com Matemática




O Tabuleiro de Xadrez
O Xadrez é um jogo de tabuleiro que se joga há muitos séculos e com inúmeros apaixonados em todo o planeta. A ação desenrola-se num campo de batalha onde intervêm dois exércitos. É um jogo de estratégia que exige uma grande concentração e muito estudo, não dispensando a vivência de grande número de experiências para desenvolver a eficácia.

Subsistem ainda dúvidas quanto à sua origem, mas prevalece a teoria que aponta para a Índia como a terra da sua criação, por volta do século VI. Recebeu o nome de Chaturanga, palavra que designa quatro partes do exército indiano – bigas, elefantes, cavalaria e infantaria. Mais tarde, com a ocidentalização do jogo, foram substituídas algumas das peças mas mantêm ainda correspondência com as originais: as bigas ou carros são representados pelos Bispos, as Torres representam os elefantes, os Cavalos e os Peões, naturalmente são a cavalaria e a infantaria; o Rei, a peça mais importante, é o rajá, e a segunda peça mais poderosa, a Rainha, representa o vizir.

Foi tão grande o fascínio que o jogo suscitou (e suscita) que não podia deixar de originar várias histórias ou lendas. Tendo este jogo uma grande ligação com a matemática, esta aparece desde logo numa das mais interessantes lendas, precisamente sobre o Tabuleiro, um “campo de batalha” em forma de quadrado, dividido em 64 (8x8) pequenos quadrados brancos e negros.

Assim, conta a lenda que…

Naquele tempo, estava o rajá Balhait da província indiana de Taligana muito triste devido à perda do seu filho numa batalha, sendo infrutíferas as inúmeras tentativas que os seus súbditos faziam para o animar. Com tão grande depressão o rajá tornou-se pouco cuidadoso com a gestão do seu reino.

Então um brâmane de nome Lahur Sessa visitou o rajá para lhe apresentar um novo jogo que motivaria e confortaria o seu senhor. Era um jogo de guerra, por ser a actividade onde é de suprema importância a sabedoria, a persistência, a decisão e a coragem.

O rajá ficou muito entusiasmado com o jogo e acabou por recuperar todas as suas capacidades. Consciente que a sua “cura” se devera ao novo jogo, desejou compensar Sessa. Chamou-o e disse-lhe para escolher tudo o que desejasse, pois o bem que lhe fizera não tinha preço.

O “modesto” Lahur Sessa respondeu-lhe que não queria grandes riquezas. Contentar-se-ia com um simbólico pagamento em grãos de trigo sobre o tabuleiro. Explicou: 1 grão sobre primeiro quadrado, mais 2 grãos sobre o segundo quadrado, mais 4 grãos sobre o terceiro, mais 8 grãos sobre o quarto e assim sucessivamente, sempre duplicando até ao sexagésimo quarto.

O rajá, considerando insignificante o pedido de Sessa, insistiu para que este escolhesse uma recompensa mais adequada e valiosa, tendo em conta o bem que lhe fizera. Mas Sessa foi irredutível, desejando apenas a recompensa pedida.

O rajá mandou então entregar a Sessa um saco de trigo, na convicção que seria mais do que suficiente para o pagamento. Mas Sessa recusou, alegando não querer nem um grão a mais, nem um grão a menos do que a quantidade que pedia.

Chamou o rajá os seus matemáticos para que calculassem o número de grãos de trigo para entregar a Sessa.

Estes calcularam, calcularam, calcularam e… concluíram não haver nos celeiros de toda a Índia trigo suficiente para atingir tal quantidade! Nem todo o trigo do mundo seria bastante!

O número, com vinte algarismos, é o seguinte:
18.446.744.073.709.551.615
(18 triliões, 446 mil biliões, 744 biliões, 73 mil milhões, 709 milhões, 551 mil e 615 grãos)
correspondendo à soma dos termos da sequência das potências de 2 desde 20 até 263, o que vem a ser o mesmo que (2x2x2x2x…x2x2x2), 64 vezes, ao que se subtrai 1.

Ficou preocupado o rajá, cofiando as tranças das suas barbas. Aquele Lahur Sessa era mais esperto do que parecia, mesmo muito esperto! Como cumprir o prometido?

Tranquilizou-o Sessa, dizendo que já sabia ser impossível pagar a sua recompensa, pois tal quantidade de trigo daria para cobrir toda a superfície da Índia com uma camada de quase uma polegada de espessura!

Reconhecendo a inteligência de Sessa, o rajá nomeou-o seu principal vizir.

E agora com um final diferente…

O rajá subavaliou a inteligência de Sessa ao mesmo tempo que sobreavaliou a sua riqueza. Mas o jogo fizera-lhe bem! Ele era afinal, um homem muitíssimo inteligente e não podia permitir que Sessa o superasse. Teve uma ideia brilhante e reuniu os sábios da sua corte. Rapidamente, mesmo com um rudimentar ábaco, efectuaram os cálculos necessários. Com efeito os celeiros do reino não dispunham de tão grande quantidade de trigo, mas isso ia deixar e ser um problema.

Em vez de nomear Sessa seu mais poderoso vizir, o rei mandou chamá-lo para liquidar a recompensa e disse-lhe:
- Pois bem, Sessa, acho que mereces a devida retribuição pela criação do Chaturanga, portanto, dirige-te aos celeiros e podes começar a contar o trigo que pediste!

Foi aí que Sessa empalideceu. O seu coração acelerou e o seu cérebro fervilhou. Evocou todas as suas forças para se controlar. Como efeito ou não do seu jogo, o rajá recuperara a sua boa condição de decisor!
- Tenho de declinar a tua oferta, afinal eu sou mesmo um homem modesto e dispenso tão grande quantidade de cereal. Ficarei muito satisfeito apenas com o cargo que me propuseste antes.

E assim, conta a lenda, teve a invenção do Chaturanga um outro desfecho! Ambos os homens se confrontaram, inteligentemente, embora fora do tabuleiro, porém sobre a sua matemática.

O que estaria escondido na proposta do rajá que Sessa tão prontamente recusou?

Pois se Sessa se pusesse a contar os grãos, não excederia a velocidade (média) de um grão por segundo, o que significa que, num único dia, continuamente e sem interrupções, teria contado 86.400 grãos. Contar um milhão levar-lhe-ia no mínimo dez dias de contagem contínua. Só para um metro cúbico (um contentor em forma de cubo com um metro de aresta, equivalente a mil litros) que contém aproximadamente quinze milhões de grãos, necessitaria de cerca de meio ano do trabalho contínuo de contagem.

Rapidamente Sessa concluiu que não teria tempo de vida suficiente para contar todos os grãos da sua recompensa.

 
por Carlos M M Nascimento
in

Bibliografia
Enzensberger, Hans Magnus, (1997). El Diablo de los Números. Madrid: Ediciones Siruela
Paulos, J. Allen, (1991). Inumerismo. Lisboa: Publicações Europa-América
Paulos, J. Allen, (1993). O Circo da Matemática, para além do inumerismo. Lisboa: Publicações Europa-América
Perelman, Y. I. , (1989). Álgebra Recreativa. Moscovo: Editora MIR
Perelman, Y. I. , (1979). Matemáticas Recreativas. Moscovo: Editorial MIR

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