sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Em contemplação



Não há local mais próximo de mim, que mais serenidade me traga do que a praia; agora no Inverno a qualquer altura do dia e no Verão de manhã bem cedo e ao pôr-do-sol. Nestas alturas a praia está deserta e o imenso areal está despido de pessoas. Nesta estação do frio e dos ventos ferozes o mar e as suas ondas rebentam na costa livremente lançando a salgada espuma pelo ar. É cheiro a maresia, o toque das minúsculas gotas no meu rosto, o sabor ligeiro a sal nos meus lábios, o estalar do mar, a visão do vazio. Os meus olhos estão fechados.
Do que é composta a vida afinal? O que deve cada um de nós esperar dela? Como pode alguém ter a coragem de se sentir desafortunado depois de tantos meses velozes sabendo de vidas perdidas, vidas mantidas por sorte, ou vontade divina; vidas que não conseguimos saber se não estariam melhor retiradas do que assim mantidas? Como pode alguém amaldiçoar a sua sorte depois de tomar conhecimento da sorte tão amaldiçoada dos outros? Como pode uma pessoa dizer que não quer saber? Quando no meio onde um indivíduo se encontra é composto por pessoas visivelmente afortunadas e sortudos cegos e ele ou ela são desafortunados que vivem no mundo de azarados muito maiores, tudo o que os desafortunados têm a fazer é deixar-se ir pelos momentos bons e sentir a sua tristeza nos momentos maus tal como se deixa o mar ir e vir em função da influência da lua em si.
De manhã, na praia, no Verão, o mar frio e o sol ainda a aquecendo o ar afastam os corpos preguiçosos da areia e da água. E nessa altura em que não mais estão no areal do que as gaivotas e os silenciosos, eu vejo o céu e oiço os sons mocos do oceano, boiando ao sabor das ondas. O meu corpo está leve.
Com tantas formas que há na vida de lidar com o que nos está destinado, como sabemos qual a mais certa para nós e a que custo? Que devemos procurar para cada um de nós? Em que devemos acreditar e conhecer, ou desconhecer e não acreditar? Onde se marca a linha que separa o nosso destino, do nosso livre-arbítrio? Onde está a Verdade? Que haja um Deus; que haja um não haver Deus, o sujeito só encontra aquilo a que está destinado e faz por encontrar. A paz e o equilíbrio se seguem. Homh! «Eu sou».
Ao pôr-do-sol, em que a brisa que corre ainda quente, a praia fica de novo só para mim, o eu poeta que há na escuridão da juventude. O sol parece abraçar o mar pelas costas e este parece sorrir e serenar perante a lua que surge-lhe brilhante. Estou de pé com os braços atrás das costas e os pés a receberem com a ondulação arrepiando-me corpo e alma. O meu coração está sereno.
Porquê? Como? De que maneira? Porquê todo o mundo vê no amor o melhor dos sentimentos? Como sentem as pessoas esse pensamento? De que maneira é que pode ser o amor o melhor de todos os sentimentos? Não haverá nas pessoas a razão e a lógica e o auto-controlo? É possível que seja tão grande a cegueira? Como pode um sentimento com tantas fragilidades, pontos fracos e parcialidade ser o melhor sentimento que o ser humano pode experenciar?
A felicidade é o supremo sentimento, é a fonte da continuidade da existência humana. A felicidade só traz felicidade; não há ilusões, não há rasteiros, não há aspectos negativos em se estar feliz. A felicidade pode ser encontrada por inúmeros caminhos e pode ser encontrada sem estar dependente de ninguém. O amor? Esse pode ser a fonte de felicidade de muitos mas é uma fonte que pode facilmente secar, traz dor, está dependente do outro, pode facilmente ser ilusório, pode ser fonte dos piores dos sentimentos. Para aqueles que só vêm a mais feia face do amor quando para ele sorriem, esperar sem amar até que a face bela do amor nos procure, é a maneira de o indiviudo se poder sujeitar a amar.
A praia é o processo completo pelo qual eu posso passar em meditação e serenidade. O mar lava, o vento leva, a areia retém e subterra.
Fernando Tomáz

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