sexta-feira, 24 de abril de 2009

Proposta de reflexão para este 25 de Abril

ilustração retirada do blogue O Cantinho da Educação


Mais logo terão lugar as comemorações do 35º aniversário do 25 de Abril ali mais em cima, na Praça da Liberdade, em Almada.

Já lá vão 35 anos e ganhámos o hábito de dizer que vivemos em Democracia. Mas será que a palavra Democracia ainda tem algum significado?

Ao longo do ano de 2009 vivemos alguns dos momentos mais empolgantes destes 35 anos. Nós, professores, está bom de ver. Refiro-me às duas manifestações realizadas em Lisboa, duas magistrais demonstrações de indignação, sentido cívico e de classe, das maiores que o nosso país teve oportunidade de ver desde que pode orgulhar-se de se chamar Portugal. Todos os que subiram as avenidas da capital nessas manifestações fizeram-no na convicção de que estavam a participar de um movimento de protesto mais do que justo, obrigatório. Um protesto contra um certo estilo de exercício do poder que não está de acordo com aquilo que imaginamos digno de uma sociedade democrática. Levantámos uma tal onda de contestação que toda a sociedade portuguesa voltou para nós um olhar algo surpreendido. Os professores davam, pela primeira vez na vida, uma clara lição de cidadania capaz de fazer acreditar ao mais desconfiado que constituem uma classe de trabalhadores unidos em torno de convicções próprias e, acima de tudo, uma classe corajosa e orgulhosa de o ser. À nossa luta respondeu o governo, através do seu ministéro da educação, com desprezo e uma campanha de desinformação digna do regime deposto, faz amanhã, 35 anos.

As manifestações passaram à história. Os problemas foram camuflados com sucessivas camadas de "simplex". Voltámos ao nosso quotidiano nas escolas sob uma chuva de ameaças mais ou menos veladas, no sentido de nos pressionar a aceitarmos aquilo que havíamos declarado, alto e bom som, ser de todo inaceitável. Ficámos entregues à nossa consciência. Entregar ou não entregar objectivos, aceitar ou não o inenarrável modelo de avaliação de desempenho, retocado, retorcido e maquilhado? Essas eram as questões a que teríamos de dar resposta. E respondemos.

Na reunião sindical realizada na nossa escola na passada 4ª feira, dia 23 de Abril, o delegado sindical, questionado sobre a percentagem de professores que, a nível nacional, acabaram por torcer o bico ao prego, entregando os famigerados objectivos individuais, respondeu que terá sido de, aproximadamente, 70%. Setenta por cento!!! Setenta por cento??? O que aconteceu à classe que tão orgulhosamente desfilara nas avenidas de Lisboa? O que aconteceu ao espírito de luta e ao impulso contestatário que tão fortemente manifestámos?

Neste dia de reflexão sobre os rumos da nossa Democracia sinto-me desapontado. Afinal reduzimos os valores democráticos à sua mais infíma expressão. Não só não demos nenhuma lição de cidadania ao país com a nossa luta como, ainda por cima, hipotecámos a nossa imagem e ridicularizámos a nossa classe aos olhos da opinião pública.

Com que autoridade regressaremos à rua para novas manifestações de repúdio para com um modelo de avaliação que, afinal, aceitámos?

Deixo a todos esta proposta de reflexão.

Viva o 25 de Abril.
Rui Silvares, professor

3 comentários:

Gabriela Machado disse...

Ora bem Rui, tocaste no ponto certo. Ainda há por aí demasiadas "nêsperas" (citando Mário Henrique Leiria), infelizmente. Aqui vai o poema:
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia.
Chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a.
É o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece.

Emiltina disse...

A divisão dos professores tem sido acentuada por medidas avulsas, sucessivamente tomadas e que surtiram efeito! A situação profissional de cada um de nós é dispar e as consequências das nossas decisões não têm o mesmo impacto individual.
Urge um ECD que nos dignifique e contribua de facto para uma escola de qualidade com profissionais motivados.
Precisamos encontrar o caminho juntos.

Silvares disse...

Gabriela, valham-nos os poetas!

Emiltina, temo que o inferno esteja a abarrotar de boas intenções.